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João Paulo Félix Atleta

João Paulo Félix Atleta

27
Dez18

Orlando Duarte - O meu ilustre Convidado de honra (parte II)

JP Felix Atleta

Blog – O Orlando é um Atleta multifacetado, um Atleta de estrada, praia, corta-mato ou de trail, um Atleta solidário (corre pela SPEM – Sociedade Portuguesa Esclerose Múltipla), colaborador/administrador da Página dos Fãs da Analice. Mas falta a tua parte da estatística. Investe muito no acompanhamento dos Atletas sobretudo nas Provas estrangeiras. O que é que sentes do outro lado do computador quando estás a acompanhar um Atleta? Quais as emoções?

OD – Isto é assim, eu adoro números, adoro estatísticas. Desde miúdo, eu não fiz grande escolaridade, tenho o 9º ano, mas na escola primária em contas aquilo era canja… E então os trabalhos de casa, tudo o que era aritmética era feito num ápice... A escrever já não era tanto. Hoje já gosto de escrever, mas quando era miúdo era a pior coisa, e as redacções então era… as coisas foram mudando... Ainda hoje, às vezes, não apetece... mas é um pouco como o comer e o coçar, o mal é começar...

Blog – Mas tu sabes muito de estatística… Ainda antes desses acompanhamentos quero-te dizer que a minha modalidade preferida quando era miúdo era Ciclismo. O meu pai praticou Ciclismo amador e adorava Ciclismo e quando havia a volta a Portugal íamos ver as chegadas, íamos ver as partidas, as passagens e ia ao Estádio de Alvalade. O antigo tinha uma Pista de Ciclismo e de vez em quando faziam-se lá “os critérios” como chamavam naquela altura e quando isso acontecia o meu pai levava-me. Eu era o mais novo ia com ele e então foi a minha 1ª Modalidade. Eu adorava Ciclismo pela volta a Portugal e por esses na Pista pelos “critérios”. Com a idade começou a aparecer também o Atletismo e, aos poucos, comecei também a gostar do Atletismo. O Futebol foi a 3ª modalidade que eu passeia gostar em miúdo.

Blog – Praticaste futebol? OD – Pratiquei Futebol mas nada de especial. Pratiquei Futebol mas federado não. Quando comecei a acompanhar o Atletismo, lá está, começou a entrar a “febre” dos números... houve uma altura que eu sabia todos os recordes do Atletismo masculino e feminino de todas as disciplinas eu sabia os recordes todos.

Blog – Um trabalho enorme de pesquisa. Era através da Spiridon? Qual era a fonte?

OD – Ia lendo no jornal, no Recorde, ia anotando…

Blog – Um trabalho valioso…

OD – Esta coisa do Arquivo, da estatística já vem de trás. Depois, quando falo no Recorde - porquê? O Recorde tinha um Jornalista que corria, felizmente, que ainda é vivo que é o nosso amigo Arons de Carvalho. Ele sim, tem um acervo estatístico do melhor que há e em termos de Atletismo, não é da corrida. Aparece a Revista Atletismo que era do Arons de Carvalho, não era da Xistarca. A Xistarca comprou-a depois mais tarde. Eu comprava, também, a Revista e aí comecei, também, mais tarde a ter mais dados e quando ia ver o Campeonato Nacional de Atletismo e os meetings. Havia uns meetings muito bons nos anos 80 que era no 1º de Maio organizados pela CGTP em que vinha aquela malta do leste. Eram soberbos, sobretudo, nos lançamentos, nos saltos, porque nas Corridas estávamos cá nós nos 5000, 10 000.

Blog- Nessas disciplinas não…

OD – Não, estávamos a anos luz deles. Eu gosto de Atletismo. Há malta que gosta da Corrida. É diferente, eu gosto de Atletismo e da Corrida. Eu vibro ao ver um dardo percorrer todo campo de futebol e cair lá junto à baliza. Aliás, a evolução do dardo foi de tal modo que tiveram que aumentar o peso do dardo e o centro de gravidade para ele descer mais cedo. O dardo corria riscos de passar o campo de futebol e a pista. Portanto, ver aqueles lançamentos de peso a mais de 20 mt delirava com aquilo. E nas Corridas na Pista, eu levava sempre um bloco de notas já com os tempos de passagem compilados por mim com as tais contas e as médias. Ora bem, se o recorde nacional dos 5000 está em 13 qualquer coisa… lá está, eu agora já não tenho memória como tinha…

Blog – Mas tens lá guardado?

OD – Sim, mas na altura, eu sabia quanto é que era o recorde, ora em média isto dá “x” por km, portanto, ele vai passar aos 2 quarenta e qualquer coisa ao 1º km, 5 e “picos” ao 2º. Tinha um cronómetrozinho que na altura ainda era de dar à corda, nada digital, e eu aos 1000 tomava nota e via que a Prova ia para recorde ou não. Eu vivia a Prova por dentro e por fora. Isto para dizer que já tinha esta escola nesta área. Até que em 2008 eu tomo conhecimento… aliás, eu já tinha tomado conhecimento já sabia do Mont Blanc, do Ultra trail do Mont Blanc, só que em 2008 há uns amigos sobretudo uma amiga que ainda hoje corre que é minha amiga a – Célia Azenha- e eu vou pesquisar à Página da Corrida e começo a ver que há hipótese de a acompanhar porque o Mont Blanc, tanto quanto sei, foi a 1ª Prova que dispôs de um acompanhamento ao vivo na hora na Página oficial. Eu comecei a ver aquilo vou acompanhar. Fui à lista de inscritos, e vi que não era só a Célia há aqui mais gente.

Blog – Havia mais portugueses, não muitos, nada como hoje…

OD- Não, eram uns 10 ou 12 e eu tomei nota. Na altura não tinha grande formação no excel. O excel para mim era chinês. Nessa altura, e era tudo à unha, eu tinha um bloco ia apontando, ia fazendo contas.

Blog – Funciona sempre…

OD – Até que pensei “espera aí, eu estou a fazer isto para mim” porque não partilhar com mais amigos? Então passei a partilhar, primeiro no fórum e depois no FB. No caso do utmb são 48 horas intensas e duas noites muito mal dormidas, mas duma satisfação plena! Por isso é que há pessoas que me admiram bastante… eu faço pesquisas, que me consomem horas, para estatísticas. Contudo, tenho trabalhos de horas que, por vezes, podem ser vistos por muita gente mas que se manifestam pouco, tenho trabalhos de horas e horas com 7,8, 10 “gostos”...

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Blog – É um investimento brutalíssimo…

OD- Pois, mas a questão é esta - é que eu á partida estou a fazer o trabalho para mim, porque eu gosto. Se houve 10 pessoas que também viram e gostaram, tanto melhor!

Blog – Mas há muitas mais, tenho visto no Facebook cada vez mais vais tendo mais mensagens a valorizar o teu trabalho. Acho que é bom…

OD – Mas o meu objectivo não é esse, nunca me pus em bicos de pés e jamais o faço a troco de “gostos” e de agradecimentos. Por isso, Já houve uma vez um tipo que me ofendeu... porque se eu te disser o que ele disse, vais dizer ah não é grave. Pois não, mas ofendeu-me por ser uma afirmação injusta, quando ele disse qualquer coisa do género: “ah, você faz isso por egoísmo, pelo seu ego, você anda à procura é de likes”. Respondi-lhe: se andasse à procura de likes já tinha parado há muitos anos... Na fotografia é a mesma coisa, faço porque gosto, como já disse, é outra paixão que tenho. Se andasse à espera de likes e mensagens de agradecimento, também não havia fotos para ninguém!

Blog – Nem nunca tinhas começado, no papel não havia likes.

OD – E nessa prova (utmb) ainda hoje recordo-me de vez em quando desse acompanhamento… ah e em 2008 não era no Facebook era no fórum do Mundo da Corrida. As pessoas não tinham os telemóveis avançados como há hoje, e nem toda a gente tinha computador, então as pessoas iam ao fórum e viam todos os dados que eu lá tinha e começavam a vibrar comigo. Eu vibrava, eles vibravam comigo, eu era o 1º a vibrar depois relatava e era engraçado eles “vá lá Célia tu consegues!”... E a Célia completou as 100 milhas... aquilo eram 46h tempo limite e ela fez 45h52m ou 54, ela ficou a 6 minutos ou 8 do limite. Foi um espectáculo! Eu adorei aquela experiência. E daí para cá nunca mais parei! É a Prova que eu tenho mais acervo é o Mont Blanc depois começaram a vir outras provas o Tor des Geants o Ehunmiilak, a Transgrancanaria, Andorra, etc, etc, Blog – a Maratho des sables, já tem alguns anos…

OD – Sim, sim, a Maratona das Areias, nasceu quando o Sá vai lá pela 1ª vez. Infelizmente, relativamente à Maratona das Areias tenho uma mágoa de quando a Analice fez a maratona das Areias que eu acompanhei ainda foi no fórum, o que aconteceu é que o fórum o Mundo da Corrida foi pirateado e “morreu”, mas depois depois foi ressuscitado e é nessa altura, ou seja, é nessa 2ª vida do fórum que se dá a ida da Analice à Maratona das Areias e eu acompanhei através do fórum e tinha lá tudo, só que o fórum desapareceu outra vez…

Blog – Não tinhas uma 2º cópia ou uma coisa do género

OD – Não tenho grandes dados estatísticos dessa Prova da Analice. Tenho de memória sei que ela chegou perto dos 650º, em mil chegados, mas aqueles tempos por etapas que eu tinha tudo não tenho...

Blog – Numa palavra só “a corrida para ti é…”

OD - Prazer

Blog -Quais são os teus ídolos da Corrida?

OD – Ao contrário da maioria que idolatram o Lopes, eu que sou um amante do cronómetro, para mim foi o Mamede. O Mamede teve um desempenho do mais alto nível e melhor que o Lopes. Quando digo aqui menor qualidade não estou a beliscar a qualidade do Lopes, o que é facto é que com menos qualidade teve mais frutos! O Mamede, se a memória não me atraiçoa, foi por aí 5 anos recordista do mundo. Portanto, 5 anos do mundo e 10 anos da Europa e houve um período de 6 ou 7 anos em que ele não perdeu uma prova de 5000 mt e 10 000 mt! Nos tais meetings onde se corre para a marca. Ali, nos meetings é qualidade. Nos campeonatos é as medalhas, não importa o tempo. Nem importa como é que se ganha, e o Lopes foi vítima disso porque perdeu algumas medalhas. Eu recordo-me do Finlandês nos Jogos Olimpicos em 76 (Lasss Viren), em que ele nas ultimas 2 voltas vai-se embora, mas andou mais de 9 km na “mama” e depois foi-se embora.... E havia um outro “amigo” do Lopes, que era um italiano, o Alberto Cova, que era um homem que fazia as provas de 10 000, e como sabes, são 25 voltas à pista, e ele fazia 23 de balanço e 2 para ganhar a prova. O Alberto Cova nunca teve assim grandes resultados grandes marcas extraordinárias mas tem uma data de títulos. Por isso, reforço, por amor ao cronómetro, o Mamede nesse aspecto foi o meu ídolo!

Blog – Quais as características que mais admiras num Atleta?

OD – Já abordamos isso, é a sua tenacidade, a sua garra, o seu espírito de sacrifício, e a sua humildade e aqui bate mais uma vez o ponto do Mamede-Lopes. Eu gosto mais do Mamede não tenho amizade pessoal com eles, mas conheço-os e pelo o que leio, pelo que eu oiço, e pelo que vejo, ultimamente o Mamede é convidado para palestras e para ir às escolas e está sempre disponível e o Lopes já é mais difícil... Portanto, uma característica que eu gosto nos atletas é a humildade.

OD – Há um ponto que eu costumo abordar nestas entrevistas que é a questão do português da língua portuguesa

Blog – e as terminologias das provas? Deixa-me adivinhar. O running. Qual a tua opinião sobre isso? Havia necessidade ou não havia necessidade? (risos)

OD – Não, não há necessidade. Eu admito em algumas Provas que têm expressão internacional e têm alta participação estrangeira. Eu dou-te o exemplo da prova da Madeira. Abreviadamente é o MIUT, mas o que é que quer dizer MIUT? É o Madeira Island Ultra Trail, mas aí eu dou o braço a torcer porque o MIUT por incrível que pareça 60% são estrangeiros. Ora se é para atrair estrangeiros convém pôr o nome em estrangeiro…

Blog – A Madeira turística, a ilha enquanto destino…

OD – Agora, estás a ver uma Prova de Bairro, ou da Freguesia lá do interior... eu recordo-me (essa prova depois mudou de nome ou acabou), mas ficou-me na memória que era uma prova em Leiria à noite em que o nome era mais ou menos… o Christmas by night race Leiria! Outra prova que também me “irritou”, é uma Prova há ali para Aveiro em homenagem aos bombeiros também tem assim um nome…

Blog – qualquer coisa sweet fire qualquer coisa do género

OD – Com todo o respeito que merecem essas opiniões desses organizadores, mas acho isso uma bacoquice...

Blog – É a globalização, estes estrangeirismos, estes inglesismos.

OD – E é aquela celebre frase que a gente leva ou nas camisolas ou nas medalhas que é o “finisher” que eu também detesto, eu uso o finalista, para mim é finalista. Mas lá está, numa Prova como a Maratona de Lisboa, por exemplo, que é uma Prova que traz muitos estrangeiros faz sentido.

Blog – é quase ela por ela 50% nacionais e 50% estrangeiros?

OD – É mais! Na Maratona de Lisboa mais de metade são estrangeiros. No Porto é ao contrário é mais portugueses. Mas pronto, isso também é natural que o estrangeiro opte pela Maratona da Capital do país...

Blog – Nós fomos outra vez eleitos o melhor destino turístico do mundo e isso a reboque também vem mais gente…

OD – o facto da Maratona do Porto ter mais participantes portugueses isso também funciona a favor do Porto, quer dizer que os portugueses gostam mais da maratona do Porto do que a de Lisboa. Por este ou por aquele motivo gostam mais da Maratona do Porto, mas os recordes estão divididos entre Lisboa e Porto; participantes, homens, mulheres, mais estrangeiros. O Porto tem umas coisas melhores, Lisboa tem outras. O Porto tem o recorde que é a prova com mais classificados quatro mil setecentos e tal...

Blog – E agora temos outro figurino de Maratonas. Estou a pensar de acordo com aquela ideia que falávamos à bocado sobre as provas de montanha as dos Carlos Sá, a Extreme Maratona do Gerês a do Sistelo. Nós neste momento temos algumas 6 Maratonas de Estrada. Temos a do Funchal e falta-me uma que agora não me lembro.

OD – Depois há outra coisa que as Provas podiam sempre adoptar que é o bilingue podiam sempre por o nome em português barra estrangeiro. O finisher podiam por barra finalista porque por exemplo, o atleta estrangeiro chega ao fim leva a medalha soa melhor o finisher do que o finalista, mas o contrário também é verdade!

Blog – Há o lado do inglês ser uma língua universal mas é uma coisa importante porque a perseveração da nossa língua é uma homenagem á nossa história, à nossa identidade

OD – A língua portuguesa é uma língua riquíssima. Eu uma vez li uma ideia engraçada que achei muita piada, ela dizia: “a língua portuguesa é como um faqueiro”. Sabemos que há faqueiros com várias quantidades de peças, e depois, para além da quantidade, há a qualidade. Ora, a nossa língua é um faqueiro de grande qualidade e com uma grande quantidade de instrumentos. Na qualidade do metal, há faqueiros de alumínio, há faqueiros de inox, há faqueiros de bronze, há faqueiros de prata, há faqueiros de ouro. A nossa língua é um faqueiro imenso e de ouro! Agora imagina, estás a comer com um faqueiro de ouro, mas fazendo uma analogia, agora há a mania de dizer que há várias “ferramentas”, saber que a língua inglesa é uma “ferramenta”, então, para ficar a analogia mesmo certinha, é tu estares a comer com garfo e faca de ouro e depois tens outra ferramenta (os anglicismos) que é uma chave de fendas e depois pegas na chave de fendas e espetas na batata, quando tu tens um garfo de ouro e abdicas do garfo de ouro, pegas na chave de fendas e vais espetar no alimento e trazes o alimento à boca. Ou seja, nós temos uma língua com uma data de vocábulos e vais buscar um anglicismo para pôr ali no meio duma língua riquíssima! Eu compreendo que haja situações Profissionais, às vezes ouço informáticos a falar e não percebi nada... mas isso já se está a esbater na informática e até noutras profissões.

Blog – Mas essa área tem uma terminologia muito própria, conceitos muito próprios

OD – A questão é essa, a informática não nasce em Portugal, ao vir de fora traz a sua terminologia e aí impõe-se e nós tivemos que ceder... Mas se nós não tínhamos informática e ela veio de fora, a corrida não. Em Portugal já há corrida desde sempre, porque é que a gente tem que se submeter aos anglicismos. Dou-te outro exemplo: o futebol. Nós não tínhamos futebol. O futebol nasce em Inglaterra a meio do século XIX, e vem para Portugal através duns ingleses que moravam em Carcavelos. Foram eles que trouxeram o futebol para cá no início do século XX. Ora, como não havia cá nós tivemos que nos sujeitar. Eu lembro-me, mas lá está, as coisas vão evoluindo, mas neste caso para melhor, eu quando era miúdo ainda me lembro de ouvir em termos de relatos de futebol. O guarda-redes sabes como é que se dizia nos anos 60?

Blog – Era o Keeper. Lembro-me de ouvir os mais antigos eu nasci em 70

OD – Era o keeper, o pontapé de canto era o corner...

Blog – Engraçado, hoje marcar um pontapé de canto é canto…

OD – Agora Já não se fala em corner. O penalti, ainda se continua a dizer penalti, mas hoje já se diz muito grande penalidade...

Blog – os conceitos foram mudando muito

OD- Ui, hoje já se perdeu totalmente já não se chamam fiscais de linha, chama-se arbitro-auxiliar; o fiscal de linha naquela altura era o liner; o defesa era o back, era o back central, o back direito, o back esquerdo... Resumindo e concluindo, não há necessidade!

 

11
Dez18

Orlando Duarte - O meu ilustre Convidado de Honra (Parte I)

JP Felix Atleta

Combinámos encontrarmo-nos no Parque dos Índios em Monsanto. À hora combinada lá estávamos junto à entrada principal. Estava um dia maravilhoso com um sol muito bonito, com uma luz fantástica, aquela luz que parece que só Lisboa é que tem. Começamos a falar e comecei por perguntar…

Blog – O 1º Corta Mato foi aqui?

OD – Exactamente, não tenho a certeza se em 1988, ou 89, eu colaborava com o vogal do Desporto da Junta de Freguesia de Campolide que, curiosamente, era uma pessoa que não era aqui da Freguesia. Morava na Buraca mas veio para aqui através do PCP e eu conheci-o aqui em baixo num outro evento, noutra iniciativa, em que eu vi-o ali um bocado sozinho e desamparado e eu ofereci-me para o ajudar.

Blog – Começaste a apoiar?

OD – Comecei e era o Assessor dele. Depois em 88, curiosamente, nasce de uma situação engraçada. O Executivo da Junta de Freguesia era AD (Aliança Democrática) mas a Presidente que era PSD em 88, portanto, ou seja, no 2º ano do Mandato fez uma “limpeza”, fez uma reforma no Executivo mandou embora os que os outros 6 (3 do PSD e 2 do CDS) e convidou a oposição, o PS e a CDU.

Blog – Uma “coisa” nada comum…

OD – Nada mesmo, o Executivo era na maioria PS e a Presidente era PSD, eram 3 PS´s e dois CDU´s.

Blog – Isso era uma “Equipa e Pêras”, era uma Equipa de trabalho, nessa lógica…

OD – Sim, funcionou muito bem. Então esse vogal do Desporto era da CDU que eu não sabia eu conheci-o ali no Evento que ele organizou aqui em baixo. Eu tinha os putos isto era em 88 a minha miúda tinha 4 anos o outro tinha 9 era assim um evento lúdico e infantil e fui lá ver mas depois o homem tinha mais duas ou três pessoas e era muita criançada. Eu vou ajudá-lo!

Blog – E começou assim essa relação?

OD – E foi assim, eu não sabia quem era o homem. Aliás, como digo ele não nasceu aqui, não sabia quem era o homem, qual era o partido dele quais as ideias. Sabia era que era necessário, a ideia era boa e foi uma amizade que só parou com a morte dele. Morreu com sessenta e poucos anos. Ficámos amigos, bastante amigos, era uma pessoa excelente.

Blog – Uma relação bastante enriquecedora…

OD – Exacto, a partir de 1988 fizemos os Jogos Desportivos da Freguesia.

Blog – Tudo na Freguesia de Campolide?

OD – Tudo aqui na Freguesia de Campolide. Metemos os putos a jogar à bola, a jogar andebol, a jogar várias modalidades e atletismo.

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Blog – Ias organizando e participavas como Atleta?

OD – Nas Provas organizadas pela Junta, não. Até que surgiu a ideia de se fazer um Corta Mato aqui, onde hoje é este Parque dos Índios, e para isso andei aqui a cortar mato com uma machada…

Blog – Corta Mato no verdadeiro sentido da palavra. Notas diferença entre esses tempos em que havia alguma carolice e os dias de hoje com Provas organizadas, quase profissionais. Por exemplo, quando as Juntas de Freguesia juntam-se a Associações Profissionalizadas. Achas que há alguma mudança?

OD – Pois mudou, porque essa carolice como tu dizes foi desaparecendo os “voluntários hoje é à força”.

Blog – E as inscrições como é que funcionavam? Suponho que eram grátis?

OD – Exactamente!

Blog – É curioso que aqui na área da grande Lisboa temos poucas Entidades poucas Autarquias a organizar Provas de Atletismo para todos. Estou a lembrar-me do caso da Moita, Sintra, Cascais e Oeiras e assim de repente...

OD – Há poucas mas isso… Eu defendi quando começaram a aparecer as primeiras Provas pagas no final da década de 70, em 79, 80, começaram a aparecer as primeiras Provas pagas ainda lutei contra isso porque por princípio…

Blog – Defendes o Desporto para todos?

OD – É esse o espírito! Até porque nas Corridas há essa situação bonita porque à partida somos todos iguais, não há estrato social, mas agora se virmos a coisa a montante há porque se a prova custa 20€ de Inscrição, há alguns desempregados, alguns ordenados mínimos que não têm acesso, têm mas é a muito custo, há essa diferença. Acontece que as Inscrições gratuitas, e eu tive que dar o braço a torcer, porque efectivamente nós, a nossa cultura, somos o que somos e o que se revelou é que não havia respeito, lá está, pelos carolas que “roubavam” horas à sua família e ao seu lazer em prol da Comunidade e essa mesma Comunidade depois não correspondia com respeito. Ou seja, o que é que acontecia? As Inscrições como eram gratuitas aquilo eram folhas A4 era “chapa 5”.

Blog – Depois aparecer era mais complicado?

OD – Depois tínhamos 500 inscritos e apareciam 300.

Blog – Com toda a logística preparada, com águas, com prémios?

OD – Com tudo o que isso acarreta. Isso era tudo feito à mão e eu passava serões a fazer dorsais. O dorsal era um papel, um cartãozinho quadriculado e depois ponhamos o número lá, isto era feito, tudo à mão, isto era feito 500 vezes, depois tinha que fazer um furinho. Provas maiores fazíamos o controlo de passagem, tinha uma “coleira”, chamo-lhe “coleira”…

Blog - Um fiozito…

OD - Um fio de nylon e isso tinha que ser feito também, cortar e atar, cortar e atar.

Blog – Estou a lembrar-me que só na Prova da Festa do Avante é que esse fio se usa. É a única que me lembro de momento…

OD – É, e falas numa Prova que caracteriza muito bem a maldade que se faz às Organizações. A Corrida do Avante tem sempre mais de 2000 inscritos e passa ali os 1000 classificados. É uma Prova a rondar os 1100, 1200 classificados e tem sempre 2000 inscritos...

Blog - Lá está porque é gratuita. Na outra vez li uma mensagem que não percebi muito bem. Vais ajudar-me a interpretá-la mas acho que havia 20%, Inscrições pagas, Atletas que fazem a Inscrição e que depois não vão, mais ou menos, não sei da precisão deste número…

OD – Com as Inscrições gratuitas era 60% participantes andava ali nos 55 a 60%. Com as pagas passa sempre dos 90% de participantes.

Blog – Uma taxa de 10% de pessoas que não vão, eventualmente, por vários motivos?

OD – Acontece, já me aconteceu estar inscrito e por motivos profissionais, familiares, ou de saúde...

Blog – Nesse papel de Organizador tiveste muito tempo a organizar Provas em diferentes áreas e em diferentes sítos?

OD – Nesses 2 anos, em 88 e 89, colaborei com o Vogal da Junta e organizamos várias modalidades. Depois em 90, já noutro Mandato, no Mandato seguinte é quando se dá a Coligação “Por Lisboa” foi uma das melhores coisas que aconteceu em Lisboa. Eu penso que é o que poderia acontecer ao país e quando se fez a Coligação “Por Lisboa” em que o PS se entendeu com o PC e foram de 90 a 2005. Foram 15 anos muito bons em que esta coligação funcionou muito bem…

Blog – Continuavas também a competir?

OD – Continuei a colaborar mas esse Executivo entendeu que devia fazer as coisas com mais profissionalismo e não com a minha carolice. Foi contratado um profissional de Educação Física, um Professor de Educação Física, como se chamava na altura, e estava com um plano de trabalhos. Ele elaborou um plano de trabalhos e eu ajudava, pontualmente, essa pessoa. Esse professor teve um ano e tal era o - Pedro Conde - e depois teve que sair. Depois veio outro e esse outro é que esteve práí uns dez anos e então já em 90 nasce a “1ª Dupla Légua de Campolide” . Estive como Coordenador da Equipa mas esta Prova era sempre apoiada por uma Colectividade que tinha atletismo e eu coordenava a Equipa. Tive como Coordenador da “Dupla Légua de Campolide”, 8 anos e depois ainda se fez 3 ou 4 anos e depois acabou.

Blog – Como é que vês este crescimento, se é que podemos falar de um crescimento, de pessoas a correr, pessoas a fazer exercício, sobretudo na Corrida. Como é que vês este crescimento?

OD _ É assim, quando eu comecei a correr em 1975...

Blog – A corrida, as Provas organizadas, eram quase uma actividade proibida?

OD – Antes de 1974 Provas de Estrada havia 3 ou 4, aquelas Clássicas que, felizmente, ainda hoje existem que é o: Grande Prémio Natal, a Volta a Paranhos no Porto, no Funchal. As Provas de Estrada que havia eram essas e não eram disputadas por populares eram disputadas por Atletas Federados. Eram Atletas que praticavam atletismo na pista e depois faziam aquelas 3 ou 4 provas de Estrada. Portanto, com o 25 de Abril nasceu esse movimento do Desporto para Todos e das provas á Porta de Casa.

Blog – Mas não era nada como é hoje?

OD- Não, eu quando começo em 75 já havia algumas Provas mas muito localizadas em Lisboa e depois isto começou-se a expandir, mas havia muito poucas provas, por exemplo, em Agosto não havia Provas. A época ia de Setembro, Outubro, a Junho.

Blog – Contudo, ainda ontem li uma mensagem tua que apesar de haver mais Atletas em termos competitivos baixou a qualidade, os resultados…

OD – Sim, eu ia a dizer em 75 a maior parte das Corridas chamava-se “Grandes Prémios”, não sei se por influência do “Grande Prémio de Natal”, provavelmente. Era uma “Clássica” e muito assistida. Era engraçada, a Avenida da Liberdade ficava cheia porque havia muito essa rivalidade, o “Grande Prémio de Natal”, não era mais do que uma Prova entre o Sporting e o Benfica. Os 30 primeiros, eram 15 do Sporting e 15 do Benfica desde os melhores e depois por aí abaixo, inclusive até juniores. Naquele dia a secção do Sporting e do Benfica juntava-se. A Avenida da Liberdade ficava cheia de gente. Lá nesse aspecto a coisa inverteu-se. É curioso que hoje temos mais gente a correr e menos a assistir e antigamente era mais a assistir e menos a correr. E então essa prova era uma “Prova clássica”, um “Grande Prémio”, e se calhar as Provas a seguir que foram aparecendo era o “Grande prémio de Alvalade”, o “Grande Prémio de Carnaxide”, o “Grande Prémio” dali, o “Grande Prémio” dacolá. Qual é a diferença e qual é a vantagem, e isso se calhar hoje está a reflectir-se… Qual a vantagem desses “Grandes Prémios”? Porque eram Provas por escalões. Hoje tu vais a uma Prova e é tudo adulto, não há jovens a correr, não há miúdos, não há miudagem, e naquela altura não. Havia os benjamins…

Blog – Havia para todos os Escalões?

OD – Havia os benjamins de 9, 10 anos, depois os infantis, depois os iniciados, juvenis, juniores, toda a gente participava e havia percursos próprios que correspondia à idade e isso foi crescendo tanto que em 75 os veteranos era ao contrário de agora. Houve uma altura que no pelotão 80/85% eram veteranos. Agora o Pelotão já está a ser refrescado e já estão, sei lá, 70% são veteranos. Naquela altura, 80% eram jovens e 20% eram veteranos porque os Atletas Federados quando chegavam a veteranos retiravam-se. Não havia Provas para eles.

Blog – Agora vês pessoas a correr com diferentes idades. Isso tem um lado que é entusiasmante?

OD – Pois, em 75, 76, jamais tu vias um homem de 70 anos a correr, era uma raridade. Portanto, esses “Grandes Prémios” tinham essa mais-valias que era as crianças e isso depois vai-se reflectir…

Blog – É um bocado a preparação para o futuro?

OD – Essa bola de neve foi crescendo e aumentando até aos dias de hoje. Só que foi aumentando em quantidade e foi diminuindo em qualidade. Nós fomos uma potência no meio fundo, fundo, a nível mundial e hoje não temos. É uma tristeza no Campeonato do Mundo não temos finalistas nos 10 000mt.

Blog – É curioso quando os Atletas hoje têm mais condições que toda essa geração na altura tinha…

OD – Em 75, se a memória não me atraiçoa, havia uma pista de tartan que era do Benfica que era num campo ao lado do Estádio da Luz, um campo de râguebi, curiosamente e tinha uma Pista.

Blog – Não é só as condições em termos de Pista - estou a pensar nos Fisiologistas, estou a pensar num Personal Trainner, estou a pensar nos Equipamentos, hoje tudo é muito diferente e é curioso que os Atletas hoje têm menos prestações.

OD – Eu acho que hoje já sobra Equipamentos Desportivos para a procura.

Blog – Também tenho essa ideia…

OD – Porque hoje não há um Concelho que não tenha uma Pista de tartan e temos aí centenas de Pistas de tartan e não há procura.

Blog – Voltando à questão da competitividade – o que é que pode estar na origem de Atletas menos competitivos quando têm mais condições?

OD – Eu penso – não tem nada de Cientifico – é uma mera opinião, eu acho que tem a ver com a mentalidade. Eu quando era miúdo, desde a minha tenra idade, estava habituado às dificuldades, aos sacrifícios, tinha que lutar por aquilo, ter espírito de sacrifico e garra. Hoje as crianças estalam o dedo e têm tudo...

Blog – Tem que ver com o facilitismo que acaba de espelhar também na área do desporto?

OD – Sobretudo, nestas Modalidades individuais. No colectivo estas coisas esbatem-se mais, estão mais interligados, uns puxam pelos outros. Estas Modalidades individuais em que o querer, o espírito de sacrifício, é indispensável. Aqueles grandes Atletas que tivemos levantavam-se cedinho e iam treinar e sempre a dar mais. Nós tínhamos um .…

Blog – E alguns trabalhavam…

OD – Não eram alguns, eram todos. Em 74, 75, eram todos puramente Amadores. Depois de 75 em que o Moniz Pereira fez o apelo ao Governo da altura para dar condições aos Atletas é que começaram a ter uma parte do dia. Ou trabalhavam de manhã ou trabalhavam de tarde e depois o Atletismo a outra metade e os resultados começaram a aparecer, mas foi graças ao Mestre - o Moniz Pereira.

Blog – Uma figura central no Atletismo?

OD – Ele em Alvalade tinha uma frase engraçada, quem trabalhou com ele não se esquece, que era “nem que chova picaretas há treino”, e o que é facto é que 9 da manhã chovia torrencialmente e o Moniz Pereira estava no centro do campo com o impermeável à espera. Relatos contados pelos Atletas da altura. Eles subiam o túnel de acesso ao estádio na esperança, o Prof hoje não está cá, a chover desta maneira.

Blog – É preciso liderança, há uma falta muito grande de liderança não só no Atletismo mas se calhar noutras áreas das nossas vidas…

OD – Exacto, exacto!

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Blog – O Orlando Duarte é uma pessoa multifacetada tem esta experiência de Organizador, é atleta. Neste momento, estás com quantas Provas? Registas as Provas todas?

OD – Recordo que comecei em 1975, mas só comecei a registar em 1985. Daí para cá são  680.

Blog – 680 Provas! Isso dá quantos Quilómetros? É uma provocação (risos)…

OD – Tenho 8839 quilómetros de Competição, com treinos ando perto dos 100 000 quilómetros.

Blog – Espectáculo!

OD – Dessas 680 Provas tenho uma maratona e 140 com 20 ou mais quilómetros, sendo que dessas 140 tenho 58 Meias Maratonas. Nas 680 provas gastei 754h57m38s e recebi 545 camisolas!

Blog – Alias a tua corrida por Causas nomeadamente pela SPEM (Sociedade Portuguesa Esclerose Múltipla) que tem muito que ver com este teu lado solidário, de ligação aos outros, este teu lado humano. Porquê a SPEM e o que é que significa correr por uma causa?

OD – Olha, como é que eu chego à SPEM? Eu corri muito por Clubes, eu representei 3 Clubes aqui na Freguesia onde moro e um Clube, curiosamente, de Ovar durante 2 anos por amizade. Desse de Ovar saí porque os meus amigos saíram do Clube e não fazia sentido estar no Clube, estava lá por eles, não saí contra o Clube, não tenho nada contra o Clube, o Clube é o Afis de Ovar; Atletas Fim de Semana.

Aqui na Freguesia representei 3 e de facto saí sempre algo magoado porque os outros sócios dessas Colectividades, que não eram adeptos da Corrida, manifestaram sempre algum mau sentimento… no fundo era inveja, porque nós tínhamos apoios do Clube e como todas as semanas havia uma Prova e  tínhamos deslocações então eles estavam sempre com bocas: “lá vão ou vêm os excursionistas”, nós éramos apelidados de excursionistas, eu aparecia com uns ténis novos e ficavam logo a pensar que tinham sido dados pelo clube, e não era verdade, só 1 dos 3 clubes é que me deu Equipamento, os outros não. Então, havia essas coisas e eu desisti dos clubes…

E decidi: não represento mais Clube nenhum! Depois andei práí uma década a correr individual e um dia numa Prova eu vi umas 4 ou 5 “camisolas Mágica” da SPEM da Esclerose múltipla e um deles era meu amigo abordei-o: olha o que é que se passa aí? O que é isso? E ele fez o que eu já fiz com muitos esclareceu-me o que era a doença, qual era o objectivo, qual era a causa. Disse-lhe, está eleita a minha Equipa! É esta porque eles não se opõem a nada, eu vou correr aonde eu quero, quando eu quero.

Blog – E é uma excelente forma de apoiar a Causa. E tens contabilizado o numero de quilómetros que já correste pela SPEM. São quantos?

OD – Tenho perto de 2000 km nestes 4 anos. Aliás eu tinha como objectivo, nestes 4 anos, que atingia no dia 6 de Setembro, que foi quando comecei a correr com a “mágica”, alcançar as 100 Provas, mas fiquei em 95 e os 2000 km e tenho 1743 km. Não atingi os objectivos porque entretanto lesionei-me em finais de Junho.

Blog – Vais superar e vais voltar…

OD- Sim, tenho duas camisolas novas. Já lá vão 4 camisolas que se vão gastando e agora, precisamente, em Junho em princípios de Junho, adquiri mais duas, porque é também esta a forma de ajudar a Sociedade. Eu corro com a camisola mas tenho que a comprar, não é comprar, é um donativo. O que é que acontece? É diferente, eu sinto a camisola e muitas vezes especialmente nos trails onde andamos mais tempo, muitas vezes eu desanimava e, muitas vezes, reparava na camisola e pensava: há quem esteja pior do que eu e eu estou muito bem vamos continuar!

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Blog – A tua camisola é a especial das especiais porque além de correres pela SPEM tens impresso a fotografia da Analice dá um duplo significado. A Analice eram amigos…

OD – A Analice também correu algumas Provas com a “mágica”.

Blog – Eu lembro-me de uma que até tenho uma fotografia convosco na “Prova do Montepio”.

OD – Exactamente, uma Prova solidária em que…

Blog – A Analice é uma pessoa muito importante para ti e para a tua família vocês tinham uma amizade muito bonita, eram uma família. Partilhaste muitas Provas e muitas vivências com a Analice…

OD – A Analice, eu conheci-a há 30 anos, em 87, ela veio para Portugal em 86, e eu conheci a Analice por acaso através da Revista da Spiridon. Quando eu estou a ver as classificações da 1ª Edição das “12h de Vila Real de Santo António”, à época uma Prova de 12h era uma Prova astronómica e mais astronómico ficou, para mim, quando vejo que o 6º classificado é uma senhora, de nome Analice Silva, do Brasil, com mais de 100 km, salvo o erro 106 km. Aquilo para mim… eu tenho que conhecer esta senhora isto de facto é inédito. E assim foi. Todas as Provas que eu ia estava atento até que um dia cruzei-me com ela cumprimentei-a passei a conhecê-la. Não fui logo amigo dela.

Blog – É preciso um tempo para construir a amizade, vai-se construindo…

OD- A partir dali andei alguns anos a cruzar-me com ela nas Provas sempre … sempre com amizade e respeito, aliás, que era a característica dela. Ela cumprimentava toda a gente.

Blog – Sim, era muito simpática, muito afável, muito disponível…

OD – E é preciso ver que a Analice nesses anos era uma Atleta de grande qualidade ganhou Provas longas, especialmente provas longas que era a “praia” dela. Há registos de Provas que ela venceu e, portanto, podia ser uma pessoa pedante, mas não. Até que as voltas que a vida dá e a Analice teve muita volta, a vida da Analice dava um filme, deu muita volta até que um dia ela cruza-se com um amigo meu aqui do bairro que a convida para vir correr para o Liberdade Atlético Clube.

Blog- Foram colegas de Equipa?

OD – Não fomos colegas eu nunca corri… aliás, eu fiz uma Prova pelo Liberdade uma vez para ajudar a Equipa na pontuação. Na altura fazia-se muito isto, aquilo era por pontos era mais um. Eu dos 3 Clubes que corri aqui da Freguesia não foi o Liberdade A. C. mas esse Liberdade até é o Clube mais perto da minha casa e essa pessoa que a trouxe era o Presidente, o Manuel, que tratávamos pelo Nelo e que depois foi das pessoas mais importantes da vida da Analice. O Nelo foi durante uns 7 anos ou 8, quase que foi o pai dela. Ajudou-a em todos os sentidos quer a nível desportivo era como um agente desportivo dela, quer a nível de apoios monetários. A Analice tinha muitas dificuldades económicas era uma pessoa sozinha e então é aí… isto é nos finais dos anos 90, 99 praí, a partir daí é que eu comecei a ser amigo pessoal da Analice. Depois essa amizade foi crescendo, foi crescendo, e nos últimos 4, 5 anos da vida dela essa amizade passou a ser quase familiar. Ela começou a frequentar a minha casa eu é que depois passei a tratar das Inscrições dela embora ela variasse… ela dizia-me “ah não quero eu não gosto muito de queimar os amigo, tu já fizeste muito”, porque eu às vezes sabia e dizia olha mas foste pedir ao fulano porquê? Eu tratava, e as boleias ela pedia-me a mim depois pedia ao Boleto, pedia ao Mário Lima, ela tinha ali um conjunto de amigos e geria, e jamais queria ser abusadora e então, nos últimos tempos era eu. Como tenho uma irmã, felizmente, a minha irmã está viva, que tem mais ou menos a idade dela, no fundo ela…

Blog – Era mais uma irmã, era outra irmã.

OD- Era outra irmã que, curiosamente, no ultimo ano eu passei mais tempo com a Analice do que com a minha irmã. Portanto, foi… depois os meus filhos adoravam-na, especialmente a minha filha, o meu filho não lidou tanto com ela e, sobretudo, a minha neta. E a Analice também a adorava. Quando ela morreu decidi usar a camisola mágica da SPEM com a fotografia dela. No fundo é, como se costuma dizer, juntar o útil ao agradável.

Blog – É uma t-shirt carregada de simbolismo e de sentimento?

OD – É a minha camisola, é o meu Clube.

Blog – Voltando atrás voltando há questão do trail. Quando é que aparece o trail? Vieste da estrada muitos anos a correr na estrada e depois vais á procura de uma novidade, o trail ainda é recente no nosso pais. Como é que apareceu?

OD – Ora bem, o trail, tal como é conhecido hoje, nasce através dum forúm, hoje em dia tudo passa pelo Facebook, mas antigamente eram os Blogs e os fóruns. Havia um Fórum que era o “Atletas Net”. Estamos a falar em 2003 e depois houve ali uma confusão a malta saiu do “Atletas Net” e fomos para o Fórum do “Mundo da Corrida” e no “Mundo da Corrida”, havia um participante que se chamava Sálvio Nora.  Era uma pessoa com muitas características que eu gostava e era uma pessoa que eu todos os dias lia porque ele todos os dias escrevia algo no Fórum e foi meu amigo virtual durante 4 ou 5 anos. Quando o conheci pessoalmente foi prá aí 5 meses antes dele morrer. Esse Sálvio Nora éra muito amigo do Moutinho, do José Moutinho

Blog – O Salvio é um dos pioneiros da Freita?

OD – Ora, o Sálvio era amigo do Moutinho e tinham em comum a Equipa de Orientação Os 4 Caminhos, porque o Sálvio praticava orientação. O Moutinho também mas o Moutinho tem um passado de Corrida que o Sálvio não tinha. O Sálvio praticou voleibol de alto nível durante muitos anos e depois foi para a orientação e na orientação o treino consiste muito nos trilhos na serra e o Sálvio andava a frequentar a Serra da Freita e um dia em conversa com o Moutinho disse: “eh pá, tens que conhecer aquela serra tem ali um potencial”. Um dia o Moutinho foi à Freita e ficou apaixonado até hoje. Então ele vai lá e isto nos primeiros dias do ano de 2006 já o Sálvio estava doente e começa a explorar a Serra e fica logo com a vontade de fazer ali uma Prova. O Moutinho andava muito por Espanha nas Provas de trail, pelo sul de França também onde o trail já estava muito mais desenvolvido porque nós cá tínhamos Provas de montanha...

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Blog – E ainda temos…

OD –E ainda temos mas as Provas de Montanha são diferentes de Trail as características, as distâncias, a altimetria.

Blog – O piso?

OD – O piso é semelhante! Aquilo é na montanha só que… qual é a diferença da Prova de montanha para o trail? A Prova de montanha, sobretudo, naquelas que eu ainda fiz, têm um perfil sempre a subir e não gostei. Eu adorava corta-mato e depois apareceram essas Provas de Montanha fui experimentar e não gostei porque eram Provas curtas, Provas de pouca distância de 5 km a 10, 12 km no máximo e era sempre a subir, sempre, sempre a subir e vais sempre no teu limite...

Blog –Podemos falar dos 12 km das Penhas Douradas?

OD – Hoje no trail essas Provas já vão existindo mas chamam-se o “quilómetro vertical”.

Blog – É inserida na Prova…

OD- É, é mais um segmento para quem goste de subir tem ali um bom segmento. A ideia é fazer 1000 mt de altimetria de desnível em 7 ou 8, 10 km, imagina isto é sempre a subir. O Moutinho já andava a beber ali do trail do Pais Basco e no sul de França. Acontece que o Sálvio morre em principio de Maio de 2006 e ele decide fazer um trail em homenagem, tanto que o nome da Freita inicialmente e durante uns 4 ou 5 anos e depois foi caindo e hoje já não se diz assim, infelizmente, do meu ponto de vista deveria manter-se mas pronto eles decidiram retirar ou omitir...

Blog – Tinha o nome do Sálvio…

OD – Exactamente, a Prova começou por se chamar “Memorial Sálvio Nora – Ultra Trail Serra da Freita”. O memorial já caiu e hoje é só “Ultra Trail da Serra da Freita”. Eu como muito amigo do Sálvio tinha que estar presente nessa Prova, portanto, em Julho creio que no 1º domingo de Julho de 2006 dá-se então o 1º trail enquanto trail e é aí que nasce o trail em Portugal.

Blog – Há inclusive aquele slogan da Freita “onde tudo começou”.

OD – Exactamente é dentro do que eu expliquei foi assim. Portanto, embora os amantes das Provas de Montanha digam que “isso já havia”, ok, já havia não há como negar eu fi-las mas são diferentes. Portanto, o trail nesta concepção nasceu de facto na Freita em Junho de 2006 e eu como grande amigo do Sálvio quis estar presente e é lá que conheço o Moutinho e então eu fiz a Prova curta, havia duas Provas nessa 1ª Edição era uma de 45 km, que à época era uma loucura...

Blog – Ainda não se pensava nos 100 km da Freita?

OD – E então, apareceram à volta de 50 candidatos e classificaram-se 45. Na Prova curta (15 km) nós éramos prái uns 40 e classificaram-se 32, eu fiquei em 8º...

Blog – Espectáculo!

OD – Correu-me bem gostei e depois fiz a Prova durante 10 anos seguidos até que desisti da Freita por duas razões. E quais eram as “duas coisas” que me levavam à Freita: era o Sálvio e o parque de campismo do Merujal mas acontece, como disse, que a Prova foi perdendo o nome do Sálvio e depois perdeu o parque de campismo porque aqui há dois anos a Partida e a chegada passou a ser em Arouca e aí eu disse: “eh pá, já não tem lá o Sálvio, já não tem o Parque”... O Parque era a adoração da minha mulher, nós íamos sempre dois ou três dias antes e vínhamos sempre um dia ou dois depois. Guardava ali uns dias de férias íamos para a Freita e passávamos lá no Parque de Campismo. Não há Parque, não há Sálvio acabou-se a Freita para mim...

Quanto à fotografia, devo dizer que é uma paixão antiga. Desde miúdo que adoro esta Arte. Nunca fui profissional, mas fiz muita fotografia ao nível da família e amigos. Há mais ou menos 12/14 anos, com o advento do digital, comecei a divertir-me também nas corridas, de preferência nos Trilhos, sobretudo quando, por qualquer motivo, me é impossível correr.

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